Manuel San-Payo
pintura e desenho
horário de terça a sábado, das 15 ás 19:30
exposição patente até 14 de Maio 2011
encerra Domingos e feriados
Local - Galeria Monumental
Campo dos Mártires da Pátria, 101
Lisboa, Portugal
A ÁRVORE DAS QUINTAS
1.
"Todas as quintas o pintor vai buscar um filho à escola e enquanto o espera fica diante daquela árvore que fica à frente de um café mesmo à esquina de uma rua da cidade.
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Como começou ? Não sabes. Nem o pintor sabe. Mas houve certamente uma quinta-feira em que o pintor desenhou (ou pintou?) a árvore, no seu caderno gráfico e datou o esboço.
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Pelas datas pode saber quando começou a pintar (ou desenhar?) essa árvore. Mas será essa a data em que verdadeiramente começou isto? Tudo indica, pelo contrário, que se terão passado várias quintas-feiras e os dias que há entre elas, e o pintor terá repetido o gesto, sem saber ainda que já tinha começado. Que isto já tinha começado.
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«O que é isto?!», pensa o pintor que ainda não sabe no que se meteu, porque isso em que se meteu, está ainda á sua frente na sua vida, no futuro mesmo se próximo.
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Nisto:
Eu sou a árvore perdida. Nesta esquina da cidade, perdida ou exilada. Às quintas sempre posso fitar e desafiar o pintor; emitir e editar mais umas folhas que ele pinta e desenha no diário gráfico. Depois, envia-me para o espaço, partilha-me com os amigos que o saúdam e fazem perguntas
A
Eu sou a árvore das quintas e vou perdendo folhas;
elas voam para longe ou caiem perto,
aos meus pés; aterram
no interior do café se o vento é caprichoso; ou
fazem com a lama, uma pouca de terra vegetal
E como longamente as folhas perco,
lentamente, vou ficando nua
Então, o pintor
nas sua folhas, cobre-me
de cores que nunca tive
e de pássaros que desconheço. E só
depois, muito mais tarde,
convidou as pessoas
a entrarem.
7
Entretanto, ele continuava trabalhando no seu diário gráfico, e entre as quintas, outras coisas vinham povoar os seus dias. É isso: um diário gráfico, ou pelo menos, esta pequena série de diários gráficos: conta a história dos meus Os trabalhos e os dias
8.
Já perto do fim; passara um ano já, e a árvore das quintas já consolidara as suas raízes naqueles cadernos, o pintor começou a ensaiar cópias, versões daquela árvore no I-pad.
E perguntava-se o pintor: o que tenho eu com isto, que tenho entre as minhas mãos ? E respondeu: Tenho múltiplos da árvore das quintas. Ela, a árvore tornou-se numa obsessão gráfica que me veio habitar. E depois a cada pulsação sua respondia um impulso em mim, um impulso gráfico que dominava a obsessão da árvore ou a árvore obsessiva e lhe impunha o meu ritmo.
9.
O pintor fotografou a árvore sem folhas e mandou imprimi-la, sempre a mesma fotografia. em telas de 1m x 1m,30
Depois começou a pintar as telas segundo duas maneiras, dois métodos:
(a)
em 7 delas, aplicou-lhe, aleatoriamente, manchas brancas ou de cores vivas. Ao semear esses ectoplasmas, na superfície impressa, em que se repete a árvore e a esquina da rua em que está implantada, o pintor teve que confiar na certeza. Não se pode falhar: este jogo não permite arrependimentos do gesto da mão. Tudo depende dessa certeza inspirada. Tem que se pôr o acaso a jogar do nosso lado. Obrigá-lo a jogar connosco.
(b)
em 4 delas, pintou a árvore sobre a árvore impressa, a tinta acompanha as grandes linhas da fotografia mas transforma-a e exagera. Aqui, a árvotre tende a aparecer já provida de um copa que, luxuriante, apenas deixa visíveis uns vertígios mínimos dos ramos anteriores
(c)
Numa tela cobriu o visível com uma velatura uniforme que parece imaginar o rápido desabar de uma tempestade tropical, sobre a paisagem: o ar pesado e castanho só abre por entre os ramos da árvore um ovo de luz.
B
Eu sou a árvore do costume e o costume das árvores como eu é sermos seres de tronco e folhas, presos sempre ao mesmo lugar e como dizia o outro não sabendo dizer senão “as,árvores,les,arbres,as, árvores, les,arbres”, pelas folhas dizendo, furiosamente o mesmo nome, a mesma careta metafísica.
11.
O pintor estava já nas suas sete quintas, Fotografou variadíssimas folhas dos diários gráficos como quem as transforma em pequenos écrans que multiplicavam a árvore das quintas e exorcisavam o exercício da obsessão. Emoldurou-as e esperou que a projecção do filme começasse:
C
OS TRABALHOS E OS DIAS
O pintor nas suas sete quintas inventou isto: os múltiplos de uma árvore vulgar, que foi a sua certa testemunha das quintas , ao longo de cerca de um ano.
Esta árvore junta à sua volta os despojos dos dias: as gentes de uma tribo heterogénea: os adoradores do fogo e da chuva. perdidos no espaço, tele- transportaram-se para este momento em que o tempo se constelou nos múltiplos da árvore das quintas."
Manuel Gusmão
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