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quarta-feira, 14 de março de 2012

Auroras 22.01.12 Birtavarre Norway from Ørjan Bertelsen on Vimeo.





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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Segundo Caderno

Falava baixo, sorria sem som e fugia de gente que assobiava

Era um sujeito de ombros arqueados, cabelo cortado com máquina zero em casa para não ter que jogar conversa fora com o barbeiro. Se alguém assobiasse no elevador, saltava imediatamente e fazia o resto do percurso de escada. Tipo estranho. Detestava papo furado, tapinha nas costas e a gritaria macha nos bares sobre até que ponto o Flamengo aguentaria jogar o Brasileirão sem um atacante-atacante. Um homem de semblante fechado. Na escola apelidaram-no “Caramujo”, e isso fez com que ficasse mais para dentro ainda. Cresceu e, como ganhou olheiras profundas, passaram a chamá-lo “Coruja”. Tentou ser engraçado pela primeira vez na vida e colocou a imagem de uma na cristaleira da sala, mas a empregada, a única que lhe passava o colarinho sem trincar as pontas, era de uma seita que tinha o bicho como entidade suprema. Trocou a coruja por um prato forrado de asas de borboleta onde aparecia numa foto com a mãe, recordação da viagem nos anos 60 ao Cristo Redentor. Quando diziam que as asas das borboletas eram de mau agouro, dava de ombros. Fazia ar de muxoxo, respirava fundo como se dissesse “nem aí”, expressão que evidentemente não usava, pois era de português castiço. Adorava a palavra “chichisbéu”, modo barroco de dizer “galanteador”, que encontrou no poema “Carta aos puros”, de Vinicius de Moraes. A palavra comum, o senso comum, tudo lhe dava engulho incomum. Não queria nada com o mundo, mas os habitantes deste perseguiam-no com a mesma impaciência. Caçoavam. Era um sujeito com cara de poucos amigos, sempre macambúzio e ensimesmado. Usava fumo de luto em 2010. Um matusalém cheio de manias. Não brincava na Banda de Ipanema, embora morasse no bairro. Só saía de casa depois de tomar um gole d’água, como se as ruas que enfrentaria em seguida fossem um deserto, cheias de beduínos que negariam novos copos. O homem era desconfiado. À noite, chegava a levantar três vezes para confirmar se a porta que ele mesmo havia trancado estava realmente trancada. Complicado. Se não acreditava em si mesmo, despejava sobre o mundo o mesmo e constante olhar de esguelha. De manhã, quando as pessoas são tomadas por uma súbita civilidade, ele trocava de calçada se um estranho se aproximava com ares de quem ia dar “bom dia”. Estranhíssimo. Entrava mudo e saía calado. Não dava festa com som alto, nunca bateu boca com quem quer que fosse altas horas da madrugada, e pelo correio recebia só a “Piauí”. Homem metódico. Dormia às dez, acordava às cinco, e às seis mergulhava na piscina do Flamengo para nadar mil metros, pois achava, devia achar, nunca confessou a ninguém, que corpo são é mente sã. Vivia no silêncio das suas águas, como se, não incomodando, não fosse ser incomodado — mas isso só realçava as tintas sobre sua índole diferente. De que planeta? As fraldas
das camisas iam sempre por dentro das calças e o sapato, um Doc Martens de sola grossa, havia sido comprado dez anos atrás numa viagem a Londres. Uma vez por ano ia a Brooks Brothers, em Nova York, e trazia dez calças azuis, todas iguais, e dez camisas brancas, também iguais. Estava pronto o guardaroupa. Ele queria ficar invisível. Um dia, sete da manhã, saiu de seus segredos. Atravessou a rua, tocou a porta do prédio vizinho e pediu que a senhora do 302, da janela de cara para a sua, fizesse parar o canto agudo, triste, do passarinho engaiolado. Que o levasse para o quarto dos fundos, pois o seu martelar canoro prejudicava a vida do outro lado da rua. Qualquer barulho o enfurecia, e como a vizinha se recusava a calar o passarinho, ele prestou queixa no serviço 1746. Um homem enigmático. Não deixava pistas no Facebook, no Orkut ou no Twitter, esses prontuários de vaidade. Sorria, sim, mas sem som. Jamais teve um frouxo de riso ou mostrou a intimidade daquele último dente. As emoções sob controle, nunca comentou com o porteiro os belos dias de sol de que tem sido farto este outono. Ninguém sabia também como ia o equilíbrio entre
decepções e satisfações da sua balança existencial. Um mistério no condomínio. Sempre de óculos escuros, carregava no chaveiro do cinto um canivete que usava para limpar as unhas. Se tatuasse alguma coisa nas costas seria “Mantenha distância”. Ficava no seu canto, taciturno. Não pendurava bandeira do Flamengo na janela, não tinha plástico no carro confessando ser sócio de qualquer Deus ou que gostaria de estar mergulhando. Zero de identidade. No fim do ano dizia estar viajando quando o lixeiro chegava com o livro de ouro.Tinha artrite na mão direita e passou a cumprimentar com ela fechada, deixando em alguns a impressão de ser maçom. Talvez fosse, talvez não. Discretamente, depois do cumprimento, borrifava spray higienizador na mão. Parecia o “puro” do poema do Vinicius. Só pegava na maçaneta da porta de banheiro público com a mão envolvida numa toalha de papel. Sabia nome de bactérias oportunistas. Era o “Nowhere man” dos Beatles? Andou com uma barba bem comprida, mas um dia antes que começassem a chamá-lo de muçulmano, cortou. Era um túmulo. Nada a declarar. Não colocava flores no hall, nem pregava sino na porta quando se anunciava o Natal. Exibição nenhuma. No trabalho, a mesa destoava das outras, todas decoradas com fotos de filhos, cachorros e patroas. A dele, nua. Fazia o seu, desligava o computador e saía de mansinho por entre a fumaça do churrasco de gato que os colegas traçavam, felizes da vida, no botequim da esquina. Calava-se quieto nas suas interrogações, o que aumentava nos vizinhos a certeza de que escondia algo grave. Um dia alguém viu chegar pelo Correio um livro de Dalton Trevisan, que se supunha autografado pois vinha com o carimbo de Curitiba — mas isso também ficou sem confirmação. Teve namorada por pouco tempo. A moça vivia com dois gatos e os pelos soltos no ar lhe provocavam imediata crise de rinite. Era cheio de idiossincrasias. Numa lanchonete, só bebia
suco na temperatura ambiente e, ao contrário de todo mundo, que exige mais presunto e tomate, pedia o seu sanduíche com pouco recheio. Os garçons olhavam intrigados e registravam o mesmo que os outros. Cara esquisito. Poucos conheceram sua voz, e quem a ouvia pedia sempre que falasse mais alto. Sussurrava. Parecia não querer incomodar, e em troca sugeria que a Humanidade pagasse na mesma moeda — mas não teve sucesso. Era, definitivamente, um homem suspeito, desses que podem surgir na manchete do jornal de amanhã. Anda sumido.
Aguardemos
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Livraria Bertrand do Chiado

"Desde que abriu em 1732, a Livraria Bertrand do Chiado nunca deixou de funcionar. É por isso que entrou para o Guiness como a livraria mais antiga do mundo ainda em actividade."



in Público

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terça-feira, 29 de março de 2011

“Os Músicos de Bremen”

http://professoraliliane.wordpress.com/texto-e-interpretacao/attachment/88/ http://professoraliliane.files.wordpress.com/2010/01/88.jpg http://professoraliliane.files.wordpress.com/2010/01/89.jpg http://professoraliliane.files.wordpress.com/2010/01/90.jpg

Projectos

http://vouatuacasa.blogspot.com/ http://www.youtube.com/vouatuacasa Projecto de Documentação http://vouatuacasa.blogspot.com/search/label/projecto%20de%20documenta%C3%A7%C3%A3o http://www.vouatuamesa.blogspot.com/ OUTROS: http://universidadyliopisto.blogspot.com/ O FIM DA OBRA SINGULAR OU O FIM DA OBRA ENQUANTO SINGULARIDADE É necessário impedir que as consequências sejam menosprezadas. Pequenos achados como este — o da reprodutibilidade — podem ser suficientes para subverter em profundidade todas as economias do imaginário. E arrastadas por estas, uma vez modificadas as ordens simbólicas, também o serão as economias do próprio real na sua totalidade. Mas para tal é necessário refrear o trabalho de neutralização, de desactivação sistemática, levado a cabo pelas inércias da instituição ou do mercado. É necessário impedir que actuem com eficácia os mecanismos por estas congeminados para que, por mais que tudo mude, tudo permaneça igual. É necessário afirmar com a maior das contundências o fim da obra como singularidade, daí extraindo e exigindo que sejam extraídas todas as consequências. Deve recusar-se qualquer tipo de conivência: qualquer condescendência — incluindo, em particular, a do "controlo de tiragem" — é cúmplice; é nela que as estruturas inerciais do sistema se apoiam. Não há uma única obra singular que pertença por direito próprio a este tempo. Ou habita um tempo emprestado e fala então ao ouvido de outras épocas — nada diz à nossa que esclareça e traga à luz a problematicidade das suas próprias condições de representação —, ou abandona-se à formidável vertigem da sua existência incontida, numa cascata de multiplicações de que o infinito número dos seus avatares denuncia a equivalência radical, ontológica, entre produção e reprodução, entre origem e eco distribuído. Para o nosso tempo, a existência particularizada das coisas, dos objectos do mundo, é uma quimera esbatida, um pesadelo suspenso. Como para os grãos de areia de uma praia ou para as agulhas dum pinheiro, qualquer nomeação que não seja mera enumeração molar pertence à ordem do delírio esquizóide. Não há nomes no mundo que consigam sujeitar (pois que se trata da mesma operação que procura subjectificar os objectos para que estes expressem a veracidade da existência particular daqueles que os afrontam, daqueles que os designam) a imparável multiplicidade niveladora daquilo que existe, daquilo que habita o mundo nas tortuosidades imprevisíveis de milhares de milhões de séries infinitamente descentradas, abertas e entrecruzadas numa trama febril e inabarcável. É desta grande revolução metafísica epocal, que nomeia o desaparecimento do ser do mundo enquanto algo inscrito nas presunções contidas dos seus particulares, que deve falar a obra do nosso tempo. Que para fazê-lo tenha de testemunhar — e não ocultar — a sua própria impossível singularidade, eis a sua força. O tempo em que as artes tinham por missão dar conta do imaginário dum mundo dos seres particulares é o tempo de um projecto finado, um tempo morto. E felizmente morto — por ser fraudulento, por negar o ser no seu desvendamento infinitésimo e inumerável, como epifania radical da diferença. Temos contudo de precaver-nos dos mortos, pois há zombies que caminham entre nós, murmurando ainda sobre "os mortos que haveis matado" ao mesmo tempo que, inexistindo, conservam todo o controlo dos aparelhos do estado, do poder (que é a forma pela qual se apresenta aquilo que não vive). A ordem dos singulares que estes defendem — e na qual são, se é que tal atributo pode ser para eles e em alguma medida real — assenta nessas truculências seculares, milenares. Devido ao seu poder, o reino deste mundo pertence-lhes. A autêntica revolução pendente passaria então por escorraçá-los dele — ou, mais precisamente, por devolvê-los a esse outro reino a que por direito pertencem: o das mais obscuras sombras, o do phantasma enquanto cenário — ou estrutura da consciência desditosa — constituído no território das restituições falsificadoras da falta [in “A obra de arte e o fim da era do singular”, José Luís Brea, Revista de Comunicação e Linguagens, n.º 37, 2006/2007, Relógio d’Água Editores, 2007, pp. 112-113] via http://universidadyliopisto.blogspot.com/ http://universidadyliopisto.blogspot.com/search/label/s%C3%A9culo%20XXI http://www.rogerionunocosta.com/ ‘Dogma 2005’ nasce e diz: “A arte acabou, mas não morreu!”: existe ainda o nome. Por isso, olhemos para ele: http://www.dogma05.blogspot.com/ http://www.artez.nl/ http://www.youtube.com/vouatuacasa

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Humberto e Fernando Campana

No livro autobiográfico dos célebres irmãos Campana, designers brasileiros de referência internacional "convertidos em ícones da modernidade", contam como chegaram ao reconhecimento global da sua forma de arte. De uma maneira simples e directa, Humberto e Fernando, descrevem os avanços e recuos do seu já longo percurso e falam das marcas do tempo nos seus objectos e peças. De salientar esta frase, escrita a propósito das suas cadeiras da lendária série Des-Confortáveis: "vão recebendo com dignidade as marcas do tempo, envelhecendo naturalmente".

http://www.campanas.com.br/



http://www.cpd.pt/

http://www.designportugal.eu/



http://www.cpd.pt/imgs/portal_design.jpg

domingo, 30 de janeiro de 2011

keep your eyes open!!!

Flores




"Porque o amor, por definição, é um dom não merecido; ser-se amado sem mérito é justamente a prova de um amor verdadeiro. Se uma mulher me diz: amo-te porque és inteligente, porque és honesto, porque me dás presentes, porque não andas no engate, porque lavas a louça, sinto-me decepcionado; este amor tem o ar de ser qualquer coisa de interessado. É muito mais bonito ouvir: estou louca por ti apesar de tu não seres nem inteligente, nem sério e embora sejas mentiroso, egoísta e safado."

in
A Lentidão, Milan Kundera

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http://princesasdesencantadas.blogspot.com/






http://barrospaulo.blogspot.com/




http://fdayofmylife.blogspot.com/


http://www.frontarmy.com/



Cars Are Crashing - Turning The Wind Against Us

Cars Are Crashing Myspace Music Videos

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

É sempre possível ver as coisas de vários ângulos. Todas as coisas.

pura-tanah-lot



Obscenidades para uma dona-de-casa

Ignácio de Loyola Brandão


Três da tarde ainda, ficava ansiosa. Andava para lá, entrava na cozinha, preparava nescafé. Ligava televisão, desligava, abria o livro. Regava a planta já regada, girava a agenda telefônica, à procura de amiga a quem chamar. Apanhava o litro de martíni, desistia, é estranho beber sozinha às três e meia da tarde. Podem achar que você é alcoólatra. Abria gavetas, arrumava calcinhas e sutiãs arrumados. Fiscalizava as meias do marido, nenhuma precisando remendo. Jamais havia meias em mau estado, ela se esquecia que ele é neurótico por meias, ao menor sinal de esgarçamento, joga fora. Nem dá aos empregados do prédio, atira no lixo.

Quatro horas, vontade de descer, perguntar se o carteiro chegou, às vezes vem mais cedo. Por que há de vir? Melhor esperar, pode despertar desconfiança. Porteiros sempre se metem na vida dos outros, qualquer situação que não pareça normal, ficam de orelha em pé. Então, ele passará a atenção no que o carteiro está trazendo de especial para a mulher do 91 perguntar tanto, com uma cara lambida. Ah, aquela não me engana! Desistiu. Quanto tempo falta para ele chegar? Ela não gostava de coisas fora do normal, instituiu sua vida dentro de um esquema nunca desobedecido, pautara o cotidiano dentro da rotina sem sobressaltos. Senão, seria muito difícil viver. Cada vez que o trem saía da linha, era um sofrimento, ela mergulhava na depressão. Inconsolável, nem pulseiras e brincos, presentes que o marido trazia, atenuavam.

Na fossa, rondava como fera enjaulada, querendo se atirar do nono andar. Que desgraça se armaria. O que não diriam a respeito de sua vida. Iam comentar que foi por um amante. Pelo marido infiel. Encontrariam ligações com alguma mulher, o que provocava nela o maior horror. Não disseram que a desquitada do 56 descia para se encontrar com o manobrista, nos carros da garagem? Apenas por isso não se estatelava alegremente lá embaixo, acabando com tudo.

Quase cinco. E se o carteiro atrasar? Meu deus, faltam dez minutos. Quem sabe ela possa descer, dar uma olhadela na vitrine da butique da esquina, voltar como quem não quer nada, ver se a carta já chegou. O que dirá hoje? Os bicos dos teus seios saltam desses mamilos marrons procurando a minha boca enlouquecida. Ficava excitada só em pensar. A cada dia as cartas ficam mais abusadas, entronas, era alguém que escrevia bem, sabia colocar as coisas. Dia sim, dia não, o carteiro trazia o envelope amarelo, com tarja marrom, papel fino, de bom gosto. Discreto, contrastava com as frases. Que loucura, ela jamais imaginara situações assim, será que existiam? Se o marido, algum dia, tivesse proposto um décimo daquilo, teria pulado da cama, vestido a roupa e voltado para casa da mãe. Que era o único lugar para onde poderia voltar, saíra de casa para se casar. Bem, para falar a verdade, não teria voltado. Porque a mãe iria perguntar, ela teria que responder com honestidade. A mãe diria ao pai, para se desabafar. O pai, por sua vez, deixaria escapar no bar da esquina, entre amigos. E homem, sabe-se como é, é aproveitador, não deixa escapar ocasião de humilhar a mulher, desprezar, pisar em cima.

As amigas da mãe discutiriam o episódio e a condenariam. Aquelas mulheres tinham caras terríveis. Ligou outra vez a tevê, programa feminino ensinando a fazer cerâmica. Lembrou-se que uma das cartas tinha um postal com cenas da vida etrusca, uma sujeira inominável, o homem de pé atrás da mulher, aquela coisa enorme no meio das pernas dela. Como podia ser tão grande? Rasgou em mil pedaços, pôs fogo em cima do cinzeiro, jogou tudo na privada. O que pensavam que ela era? Por que mandavam tais cartas, cheias de palavras que ela não ousava pensar, preferia não conhecer, quanto mais dizer. Uma vez, o marido tinha dito, resfolegante, no seu ouvido, logo depois de casada, minha linda bocetinha. E ela esfriou completamente, ficou dois meses sem gozar.

Nem dizia gozar, usava ter prazer, atingir o orgasmo. Ficou louca da vida no chá de cozinha de uma amiga, as meninas brincando, morriam de rir quando ouviam a palavra orgasmo. Gritavam: como pode uma palavra tão feia para uma coisa tão gostosa? Que grosseria tinha sido aquele chá, a amiga nua no meio da sala, porque tinha perdido no jogo de adivinhação dos presentes. E as outras rindo e comentando tamanhos, posições, jeitos, poses, quantas vezes. Mulher, quando quer, sabe ser pior do que homem. Sim, só que conhecia muitas daquelas amigas, diziam mas não faziam, era tudo da boca para fora. A tua boca engolindo inteiro o meu cacete e o meu creme descendo pela tua garganta, para te lubrificar inteira. Que nojenta foi aquela carta, ela nem acreditava, até encontrou uma palavra engraçada, inominável. Ah, as amigas fingiam, sabia que uma delas era fria, o marido corria como louco atrás de outras, gastava todo o salário nas casas de massagens, em motéis. E aquela carta que ele tinha proposto que se encontrassem uma tarde no motel? Num quarto cheio de espelhos, para que você veja como trepo gostoso em você, enfiando meu pau bem no fundo. Perdeu completamente a vergonha, dizer isso na minha cara, que mulher casada não se sentiria pisada, desgostosa com uma linguagem destas, um desconhecido a julgá-la puta, sem nada a fazer em casa, pronta para sair rumo a motéis de beira de estrada. Para que lado ficam?

Vai ver, um dos amigos de meu marido, homem não pode ver mulher, fica excitado e é capaz de trair o amigo apenas por uma trepada. Vejam o que estou dizendo, trepada, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Caiu em si raciocinando se não seria alguém a mando do próprio marido, para averiguar se ela era acessível a uma cantada. Meu deus, o que digo? Fico transtornada com estas cartas que chegam religiosamente, é até pecado falar em religião, misturar com um assunto deste, escabroso. E se um dia o marido vier mais cedo para casa, apanhar uma das cartas, querer saber? Qual pode ser a reação de um homem de verdade, que se preze, ao ver que a mulher está recebendo bilhetes de um estranho? Que fala em coxas úmidas como a seiva que sai de você e que eu provoquei com meus beijos e com este pau que você suga furiosamente cada vez que nos encontramos, como ontem à noite, em pleno táxi, nem se importou com o chofer que se masturbava. Sua louca, por que está guardando as cartas no fundo daquela cesta? A cesta foi a firma que mandou num antigo natal, com frutas, vinhos, doces, champanhe. A carta dizia deixo champanhe gelada escorrer nos pêlos da tua bocetinha e tomo em baixo com aquele teu gosto bom. Porcaria, deixar champanhe escorrer pelas partes da gente. Claro, não há mal, sou mulher limpa, de banho diário, dois ou três no calor. Fresquinha, cheia de desodorante, lavanda, colônia. Coisa que sempre gostei foi cheirar bem, estar de banho tomado. Sou mulher limpa. No entanto, me pediu na carta: não se esfregue desse jeito, deixe o cheiro natural, é o teu cheiro que quero sentir, porque ele me deixa louco, pau duro. Repete essa palavra que não uso. Nem pau, nem pinto, cacete, caralho, mandioca, pica, piça, piaba, pincel, pimba, pila, careca, bilola, banana, vara, trouxa, trabuco, traíra, teca, sulapa, sarsarugo, seringa, manjuba.

Nenhuma. Expressões baixas. A ele, não se dá nenhuma denominação. Deve ser sentido, não nomeado. Tem gente que adora falar, gritar obscenidades, assim é que se excitam, aposto que procuram nos dicionários, para encontrar o maior número de palavras. Os homens são animais, não sabem curtir o amor gostoso, quieto, tranqüilo, sem gritos, o amor que cai sobre a gente como a lua em noite de junho. Assim eram os versinhos no almanaque que a farmácia deu como brinde, no dia dos namorados. Tirou o disco da Bethânia, comprou um LP só por causa de uma música, Negue. Ouvia até o disco rachar, adorava aquela frase, a boca molhada ainda marcada pelo beijo seu. Boca marcada, corpo manchado com chupadas que deixam marcas pretas na pele. Coisas de amantes. Esse homem da carta deve saber muito. Um atleta sexual. Minha amiga Marjori falou de um artista da televisão. Podia ficar quantas horas quisesse na mulher. Tirava, punha, virava, repunha, revirava, inventava, as mulheres tresloucadas por ele. Onde Marjori achou estas besteiras, ela não conhece ninguém de tevê?

Interessa é que a gente assim se diverte. Se bem que se possa divertir, sem precisar se sujeitar a certas coisas. Dessas que a mulher se vê obrigada, para contentar o marido e ele não vá procurar outras. Que diabo, mulher tem que se impor! Que pensam que somos para nos utilizarem? Como se fôssemos aparelhos de barba, com gilete descartável. Um instrumento prático para o dia-a-dia, com hora certa! Como os homens conseguem fazer barba diariamente, na mesma hora? Nunca mudam. Todos os dias raspando, os gestos eternos. É a impressão que tenho quando entro no banheiro e vejo meu marido fazendo a barba. Há quinze anos, ele começa pelo lado direito, o esquerdo, deixa o queixo para o fim, apara o bigode. Rio muito quando olho o bigode. Não posso esquecer um dia que os pelinhos do bigode me rasparam, ele estava com a cabeça entre as minhas pernas, brincando. Vinha subindo, fechei as pernas, não vou deixar fazer porcarias deste tipo. Quem pensa que sou? Os homens experimentam, se a mulher deixa, vão dizer que sou da vida. Puta, dizem puta, mas é palavra que me desagrada. E o bigode faz cócegas, ri, ele achou que eu tinha gostado, quis tentar de novo, tive de ser franca, desagradável. Ele ficou mole, inteirinho, durante mais de duas semanas nada aconteceu. O que é um alívio para a mulher. Quando não acontece é feriado, férias. Por que os homens não tiram férias coletivas? Ia ser tão bom para as mulheres, nenhum incômodo, nada de estar se sujeitando. Na carta de anteontem ele comentava o tamanho de sua língua, que tem ponta afiada e uma velocidade de não sei quantas rotações por segundo. Esse homem tem senso de humor. É importante que uma pessoa brinque, saiba fazer rir. O que ele vai fazer com uma língua a tantas mil rotações? Emprestar ao dentista para obturar dentes? Outra coisa engraçada que a carta falou, só que esta é uma outra carta, chegou no mês passado, num papel azul bonito: queria me ver de meias pretas e ligas. Ridículo, mulher nua de pé no meio do quarto, com meias pretas e ligas. Nem pelada nem vestida. E se eu pedisse a ele que ficasse de meias e ligas? Arranjava uma daquelas ligas antigas, que meu avô usava e deixava o homem pelado com meias. Igual fazer amor de chinelos. Outro dia, estava vendo o programa do Sílvio Santos, no domingo. Acho o domingo muito chato, sem ter o que fazer, as crianças vão patinar, meu marido passa a manhã nos campos de várzeas, depois almoça, cochila, e vai fazer jockeyterapia. Ligo a televisão, porque o programa Sílvio Santos tem quadros muito engraçados. Como o dos casais que respondem perguntas, mostrando que se conhecem. O Sílvio Santos perguntou aos casais se havia alguma coisa que o homem tivesse tentado fazer e a mulher não topou. Dois responderam que elas topavam tudo. Dois disseram que não, que a mulher não aceitava sugestões, nem achava legal novidade. A que não topava era morena, rosto bonito, lábio cheio e dentes brancos, sorridente, tinha cara de quem topava tudo e era exatamente a que não. A mulher franzina, de cabelos escorridos, boca murcha, abriu os olhos desse tamanho e respondeu que não havia nada que ele quisesse que ela não fizesse e a cara dele mostrava que realmente estavam numa boa. Parece que iam sair do programa e se comer.

Como se pode ir a público e falar desse jeito, sem constrangimento, com a cara lavada, deixando todo mundo saber como somos, sem nenhum respeito? Há que se ter compostura. Ouvi esta palavra a vida inteira, e por isso levo uma vida decente, não tenho do que me envergonhar, posso me olhar no espelho, sou limpa por dentro e por fora. Talvez por isso me lave tanto, para me igualar, juro que conservo a mesma pureza de menina encantada com a vida. Aliás, a vida não me desiludiu em nada. Tive pequenos aborrecimentos e problemas, nunca grandes desilusões e nenhum fracasso. Posso me considerar realizada, portanto satisfeita, sem invejas, rancores. Sou uma das mulheres que as famílias admiram neste prédio. Uma casa confortável, bem decorada, qualquer uma destas revistas de onde tiro as idéias podia vir aqui e fotografar, não faria vergonha. Nossa, cinco e meia, se não voar, meu marido chega, o carteiro entrega o envelope a ele, vai ser um sururu. Prestem atenção, veja a audácia do sujo, me escrevendo, semana passada. (Disse que faz três meses que recebo as cartas? Se disse, me desculpem, ando transtornada com elas, não sei mais o que fazer de minha vida, penso que numa hora acabo me desquitando, indo embora, não suporto esta casa, o meu marido sempre na casa de massagens e na várzea, esses filhos com patins, skates, enchendo álbuns de figurinhas e comendo como loucos.) Semana passada o maluco me escreveu: Queria te ver no sururu, ia te pôr de pé no meio do salão e enfiar minha pica dura como pedra bem no meio da tua racha melada, te fodendo muito, fazendo você gritar quero mais, quero tudo, quero que todo mundo nesta sala me enterre o cacete.

Tive vontade de rasgar tal petulância, um pavor. Sem saber o que fazer, fiquei imobilizada, me deu uma paralisia, procurei imaginar que depois de estar em pé no meio da sala recebendo um homem dentro de mim, na frente de todos, não me sobraria muito na vida. Era me atirar no fogão e ligar o gás. Entrei em pânico quando senti que as pessoas poderiam me aplaudir, gritando bravo, bravo, bis, e sairiam dizendo para todo mundo: "sabe quem fode como ninguém? A rainha das fodas?" Eu. Seria a rainha, miss, me chamariam para todas as festas. Simplesmente para me ver fodendo, não pela amizade, carinho que possam ter por mim, mas porque eu satisfaria os caprichos e as fantasias deles. Situações horrendas, humilhantes, desprezíveis para mulher que tem um bom marido, filhos na escola, uma casa num prédio excelente, dois carros.

Apanho a carta, como quem não quer nada, olho distraidamente o destinatário, agora mudou o envelope, enfio no bolso, com naturalidade, e caminho até a rua, me dirijo para os lados do supermercado, trêmula, sem poder andar direito, perna toda molhada. Fico tão ansiosa, deve ser uma doença que me molho toda, o suco desce pelas pernas, tenho medo que escorra pelas canelas e vejam. Preciso voltar, desesperada para ler a carta. O que estará dizendo hoje? Comprei puropurê, tenho dezenas de latas de puropurê. Cada vez que desço para apanhar a carta, vou ao supermercado e apanho uma lata de puropurê. O gesto é automático, nem tenho imaginação de ir para outro lado. Por que não compro ervilhas? Todo mundo adora ervilhas em casa. Se meu marido entrar na despensa e enxergar esse carregamento de puropurê vai querer saber o que significa. E quem é que sabe?

É dele mesmo, o meu querido correspondente. Confesso, o meu pavor é me sentir apaixonada por este homem que escreve cruamente. Querer sumir, fugir com ele. Se aparecer não vou agüentar, basta ele tocar este telefone e dizer: "Venha, te espero no supermercado, perto da gôndola do puropurê." Desço correndo, nem faço as malas, nem deixo bilhete. Vamos embora, levando uma garrafa de champanhe, vamos para as festas que ele conhece. Fico louca, nem sei o que digo, tudo delírio, por favor não prestem atenção, nem liguem, não quero trepar com ninguém, adoro meu marido e o que ele faz é bom, gostoso, vou usar meias pretas e ligas para ele, vai gostar, penso que vai ficar louco, o pau endurecido querendo me penetrar. Corto o envelope com a tesoura, cuidadosamente. Amo estas cartas, necessito, se elas pararem vou morrer. Não consigo ler direito na primeira vez, perco tudo, as letras embaralham, somem, vejo o papel em branco. Ouça só o que ele me diz: Te virar de costas, abrir sua bundinha dura, o buraquinho rosa, cuspir no meu pau e te enfiar de uma vez só para ouvir você gritar. Não é coisa para mulher ler, não é coisa decente que se possa falar a uma mulher como eu. Vou mostrar as cartas ao meu marido, vamos à polícia, descobrir, ele tem de parar, acabo louca, acabo mentecapta, me atiro deste nono andar. Releio para ver se está realmente escrito isso, ou se imaginei. Escrito, com todas as palavras que não gosto: pau, bundinha. Tento outra vez, as palavras estão ali, queimando. Fico deitada, lendo, relendo, inquieta, ansiosa para que a carta desapareça, ela é uma visão, não existe e, no entanto, está em minhas mãos, escrita por alguém que não me considera, me humilha, me arrasa.

Agora, escureceu totalmente, não acendo a luz, cochilo um pouco, acordo assustada. E se meu marido chega e me vê com a carta? Dobro, recoloco no envelope. Vou à despensa, jogo a carta na cesta de natal, quero tomar um banho. Hoje é sexta-feira, meu marido chega mais tarde, passa pelo clube para jogar squash. A casa fica tranqüila, peço à empregada que faça omelete, salada, o tempo inteiro é meu. Adoro as segundas, quartas e sextas, ninguém em casa, nunca sei onde estão as crianças, nem me interessa. Porque assim me deito na cama (adolescente, escrevia o meu diário deitada) e posso escrever outra carta. Colocando amanhã, ela me será entregue segunda. O carteiro das cinco traz. Começo a ficar ansiosa de manhã, esperando o momento dele chegar e imaginando o que vai ser de minha vida se parar de receber estas cartas.


O texto acima, publicado em "Os Melhores Contos de Ignácio de Loyola Brandão", seleção de Deonísio da Silva, Global Editora — São Paulo, 1997, foi eleito por Ítalo Moriconi e consta do livro "Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século", Editora Objetiva — Rio de Janeiro, 2000, pág. 471.

Saiba mais sobre o autor e sua obra em "Biografias".

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