quinta-feira, 28 de abril de 2011
Manuel San-Payo
Manuel San-Payo
pintura e desenho
horário de terça a sábado, das 15 ás 19:30
exposição patente até 14 de Maio 2011
encerra Domingos e feriados
Local - Galeria Monumental
Campo dos Mártires da Pátria, 101
Lisboa, Portugal
A ÁRVORE DAS QUINTAS
1.
"Todas as quintas o pintor vai buscar um filho à escola e enquanto o espera fica diante daquela árvore que fica à frente de um café mesmo à esquina de uma rua da cidade.
2
Como começou ? Não sabes. Nem o pintor sabe. Mas houve certamente uma quinta-feira em que o pintor desenhou (ou pintou?) a árvore, no seu caderno gráfico e datou o esboço.
3
Pelas datas pode saber quando começou a pintar (ou desenhar?) essa árvore. Mas será essa a data em que verdadeiramente começou isto? Tudo indica, pelo contrário, que se terão passado várias quintas-feiras e os dias que há entre elas, e o pintor terá repetido o gesto, sem saber ainda que já tinha começado. Que isto já tinha começado.
4
«O que é isto?!», pensa o pintor que ainda não sabe no que se meteu, porque isso em que se meteu, está ainda á sua frente na sua vida, no futuro mesmo se próximo.
5
Nisto:
Eu sou a árvore perdida. Nesta esquina da cidade, perdida ou exilada. Às quintas sempre posso fitar e desafiar o pintor; emitir e editar mais umas folhas que ele pinta e desenha no diário gráfico. Depois, envia-me para o espaço, partilha-me com os amigos que o saúdam e fazem perguntas
A
Eu sou a árvore das quintas e vou perdendo folhas;
elas voam para longe ou caiem perto,
aos meus pés; aterram
no interior do café se o vento é caprichoso; ou
fazem com a lama, uma pouca de terra vegetal
E como longamente as folhas perco,
lentamente, vou ficando nua
Então, o pintor
nas sua folhas, cobre-me
de cores que nunca tive
e de pássaros que desconheço. E só
depois, muito mais tarde,
convidou as pessoas
a entrarem.
7
Entretanto, ele continuava trabalhando no seu diário gráfico, e entre as quintas, outras coisas vinham povoar os seus dias. É isso: um diário gráfico, ou pelo menos, esta pequena série de diários gráficos: conta a história dos meus Os trabalhos e os dias
8.
Já perto do fim; passara um ano já, e a árvore das quintas já consolidara as suas raízes naqueles cadernos, o pintor começou a ensaiar cópias, versões daquela árvore no I-pad.
E perguntava-se o pintor: o que tenho eu com isto, que tenho entre as minhas mãos ? E respondeu: Tenho múltiplos da árvore das quintas. Ela, a árvore tornou-se numa obsessão gráfica que me veio habitar. E depois a cada pulsação sua respondia um impulso em mim, um impulso gráfico que dominava a obsessão da árvore ou a árvore obsessiva e lhe impunha o meu ritmo.
9.
O pintor fotografou a árvore sem folhas e mandou imprimi-la, sempre a mesma fotografia. em telas de 1m x 1m,30
Depois começou a pintar as telas segundo duas maneiras, dois métodos:
(a)
em 7 delas, aplicou-lhe, aleatoriamente, manchas brancas ou de cores vivas. Ao semear esses ectoplasmas, na superfície impressa, em que se repete a árvore e a esquina da rua em que está implantada, o pintor teve que confiar na certeza. Não se pode falhar: este jogo não permite arrependimentos do gesto da mão. Tudo depende dessa certeza inspirada. Tem que se pôr o acaso a jogar do nosso lado. Obrigá-lo a jogar connosco.
(b)
em 4 delas, pintou a árvore sobre a árvore impressa, a tinta acompanha as grandes linhas da fotografia mas transforma-a e exagera. Aqui, a árvotre tende a aparecer já provida de um copa que, luxuriante, apenas deixa visíveis uns vertígios mínimos dos ramos anteriores
(c)
Numa tela cobriu o visível com uma velatura uniforme que parece imaginar o rápido desabar de uma tempestade tropical, sobre a paisagem: o ar pesado e castanho só abre por entre os ramos da árvore um ovo de luz.
B
Eu sou a árvore do costume e o costume das árvores como eu é sermos seres de tronco e folhas, presos sempre ao mesmo lugar e como dizia o outro não sabendo dizer senão “as,árvores,les,arbres,as, árvores, les,arbres”, pelas folhas dizendo, furiosamente o mesmo nome, a mesma careta metafísica.
11.
O pintor estava já nas suas sete quintas, Fotografou variadíssimas folhas dos diários gráficos como quem as transforma em pequenos écrans que multiplicavam a árvore das quintas e exorcisavam o exercício da obsessão. Emoldurou-as e esperou que a projecção do filme começasse:
C
OS TRABALHOS E OS DIAS
O pintor nas suas sete quintas inventou isto: os múltiplos de uma árvore vulgar, que foi a sua certa testemunha das quintas , ao longo de cerca de um ano.
Esta árvore junta à sua volta os despojos dos dias: as gentes de uma tribo heterogénea: os adoradores do fogo e da chuva. perdidos no espaço, tele- transportaram-se para este momento em que o tempo se constelou nos múltiplos da árvore das quintas."
Manuel Gusmão
pintura e desenho
horário de terça a sábado, das 15 ás 19:30
exposição patente até 14 de Maio 2011
encerra Domingos e feriados
Local - Galeria Monumental
Campo dos Mártires da Pátria, 101
Lisboa, Portugal
A ÁRVORE DAS QUINTAS
1.
"Todas as quintas o pintor vai buscar um filho à escola e enquanto o espera fica diante daquela árvore que fica à frente de um café mesmo à esquina de uma rua da cidade.
2
Como começou ? Não sabes. Nem o pintor sabe. Mas houve certamente uma quinta-feira em que o pintor desenhou (ou pintou?) a árvore, no seu caderno gráfico e datou o esboço.
3
Pelas datas pode saber quando começou a pintar (ou desenhar?) essa árvore. Mas será essa a data em que verdadeiramente começou isto? Tudo indica, pelo contrário, que se terão passado várias quintas-feiras e os dias que há entre elas, e o pintor terá repetido o gesto, sem saber ainda que já tinha começado. Que isto já tinha começado.
4
«O que é isto?!», pensa o pintor que ainda não sabe no que se meteu, porque isso em que se meteu, está ainda á sua frente na sua vida, no futuro mesmo se próximo.
5
Nisto:
Eu sou a árvore perdida. Nesta esquina da cidade, perdida ou exilada. Às quintas sempre posso fitar e desafiar o pintor; emitir e editar mais umas folhas que ele pinta e desenha no diário gráfico. Depois, envia-me para o espaço, partilha-me com os amigos que o saúdam e fazem perguntas
A
Eu sou a árvore das quintas e vou perdendo folhas;
elas voam para longe ou caiem perto,
aos meus pés; aterram
no interior do café se o vento é caprichoso; ou
fazem com a lama, uma pouca de terra vegetal
E como longamente as folhas perco,
lentamente, vou ficando nua
Então, o pintor
nas sua folhas, cobre-me
de cores que nunca tive
e de pássaros que desconheço. E só
depois, muito mais tarde,
convidou as pessoas
a entrarem.
7
Entretanto, ele continuava trabalhando no seu diário gráfico, e entre as quintas, outras coisas vinham povoar os seus dias. É isso: um diário gráfico, ou pelo menos, esta pequena série de diários gráficos: conta a história dos meus Os trabalhos e os dias
8.
Já perto do fim; passara um ano já, e a árvore das quintas já consolidara as suas raízes naqueles cadernos, o pintor começou a ensaiar cópias, versões daquela árvore no I-pad.
E perguntava-se o pintor: o que tenho eu com isto, que tenho entre as minhas mãos ? E respondeu: Tenho múltiplos da árvore das quintas. Ela, a árvore tornou-se numa obsessão gráfica que me veio habitar. E depois a cada pulsação sua respondia um impulso em mim, um impulso gráfico que dominava a obsessão da árvore ou a árvore obsessiva e lhe impunha o meu ritmo.
9.
O pintor fotografou a árvore sem folhas e mandou imprimi-la, sempre a mesma fotografia. em telas de 1m x 1m,30
Depois começou a pintar as telas segundo duas maneiras, dois métodos:
(a)
em 7 delas, aplicou-lhe, aleatoriamente, manchas brancas ou de cores vivas. Ao semear esses ectoplasmas, na superfície impressa, em que se repete a árvore e a esquina da rua em que está implantada, o pintor teve que confiar na certeza. Não se pode falhar: este jogo não permite arrependimentos do gesto da mão. Tudo depende dessa certeza inspirada. Tem que se pôr o acaso a jogar do nosso lado. Obrigá-lo a jogar connosco.
(b)
em 4 delas, pintou a árvore sobre a árvore impressa, a tinta acompanha as grandes linhas da fotografia mas transforma-a e exagera. Aqui, a árvotre tende a aparecer já provida de um copa que, luxuriante, apenas deixa visíveis uns vertígios mínimos dos ramos anteriores
(c)
Numa tela cobriu o visível com uma velatura uniforme que parece imaginar o rápido desabar de uma tempestade tropical, sobre a paisagem: o ar pesado e castanho só abre por entre os ramos da árvore um ovo de luz.
B
Eu sou a árvore do costume e o costume das árvores como eu é sermos seres de tronco e folhas, presos sempre ao mesmo lugar e como dizia o outro não sabendo dizer senão “as,árvores,les,arbres,as, árvores, les,arbres”, pelas folhas dizendo, furiosamente o mesmo nome, a mesma careta metafísica.
11.
O pintor estava já nas suas sete quintas, Fotografou variadíssimas folhas dos diários gráficos como quem as transforma em pequenos écrans que multiplicavam a árvore das quintas e exorcisavam o exercício da obsessão. Emoldurou-as e esperou que a projecção do filme começasse:
C
OS TRABALHOS E OS DIAS
O pintor nas suas sete quintas inventou isto: os múltiplos de uma árvore vulgar, que foi a sua certa testemunha das quintas , ao longo de cerca de um ano.
Esta árvore junta à sua volta os despojos dos dias: as gentes de uma tribo heterogénea: os adoradores do fogo e da chuva. perdidos no espaço, tele- transportaram-se para este momento em que o tempo se constelou nos múltiplos da árvore das quintas."
Manuel Gusmão
quarta-feira, 27 de abril de 2011
terça-feira, 26 de abril de 2011
sexta-feira, 22 de abril de 2011
Segundo Caderno
Falava baixo, sorria sem som e fugia de gente que assobiava
Era um sujeito de ombros arqueados, cabelo cortado com máquina zero em casa para não ter que jogar conversa fora com o barbeiro. Se alguém assobiasse no elevador, saltava imediatamente e fazia o resto do percurso de escada. Tipo estranho. Detestava papo furado, tapinha nas costas e a gritaria macha nos bares sobre até que ponto o Flamengo aguentaria jogar o Brasileirão sem um atacante-atacante. Um homem de semblante fechado. Na escola apelidaram-no “Caramujo”, e isso fez com que ficasse mais para dentro ainda. Cresceu e, como ganhou olheiras profundas, passaram a chamá-lo “Coruja”. Tentou ser engraçado pela primeira vez na vida e colocou a imagem de uma na cristaleira da sala, mas a empregada, a única que lhe passava o colarinho sem trincar as pontas, era de uma seita que tinha o bicho como entidade suprema. Trocou a coruja por um prato forrado de asas de borboleta onde aparecia numa foto com a mãe, recordação da viagem nos anos 60 ao Cristo Redentor. Quando diziam que as asas das borboletas eram de mau agouro, dava de ombros. Fazia ar de muxoxo, respirava fundo como se dissesse “nem aí”, expressão que evidentemente não usava, pois era de português castiço. Adorava a palavra “chichisbéu”, modo barroco de dizer “galanteador”, que encontrou no poema “Carta aos puros”, de Vinicius de Moraes. A palavra comum, o senso comum, tudo lhe dava engulho incomum. Não queria nada com o mundo, mas os habitantes deste perseguiam-no com a mesma impaciência. Caçoavam. Era um sujeito com cara de poucos amigos, sempre macambúzio e ensimesmado. Usava fumo de luto em 2010. Um matusalém cheio de manias. Não brincava na Banda de Ipanema, embora morasse no bairro. Só saía de casa depois de tomar um gole d’água, como se as ruas que enfrentaria em seguida fossem um deserto, cheias de beduínos que negariam novos copos. O homem era desconfiado. À noite, chegava a levantar três vezes para confirmar se a porta que ele mesmo havia trancado estava realmente trancada. Complicado. Se não acreditava em si mesmo, despejava sobre o mundo o mesmo e constante olhar de esguelha. De manhã, quando as pessoas são tomadas por uma súbita civilidade, ele trocava de calçada se um estranho se aproximava com ares de quem ia dar “bom dia”. Estranhíssimo. Entrava mudo e saía calado. Não dava festa com som alto, nunca bateu boca com quem quer que fosse altas horas da madrugada, e pelo correio recebia só a “Piauí”. Homem metódico. Dormia às dez, acordava às cinco, e às seis mergulhava na piscina do Flamengo para nadar mil metros, pois achava, devia achar, nunca confessou a ninguém, que corpo são é mente sã. Vivia no silêncio das suas águas, como se, não incomodando, não fosse ser incomodado — mas isso só realçava as tintas sobre sua índole diferente. De que planeta? As fraldas
das camisas iam sempre por dentro das calças e o sapato, um Doc Martens de sola grossa, havia sido comprado dez anos atrás numa viagem a Londres. Uma vez por ano ia a Brooks Brothers, em Nova York, e trazia dez calças azuis, todas iguais, e dez camisas brancas, também iguais. Estava pronto o guardaroupa. Ele queria ficar invisível. Um dia, sete da manhã, saiu de seus segredos. Atravessou a rua, tocou a porta do prédio vizinho e pediu que a senhora do 302, da janela de cara para a sua, fizesse parar o canto agudo, triste, do passarinho engaiolado. Que o levasse para o quarto dos fundos, pois o seu martelar canoro prejudicava a vida do outro lado da rua. Qualquer barulho o enfurecia, e como a vizinha se recusava a calar o passarinho, ele prestou queixa no serviço 1746. Um homem enigmático. Não deixava pistas no Facebook, no Orkut ou no Twitter, esses prontuários de vaidade. Sorria, sim, mas sem som. Jamais teve um frouxo de riso ou mostrou a intimidade daquele último dente. As emoções sob controle, nunca comentou com o porteiro os belos dias de sol de que tem sido farto este outono. Ninguém sabia também como ia o equilíbrio entre
decepções e satisfações da sua balança existencial. Um mistério no condomínio. Sempre de óculos escuros, carregava no chaveiro do cinto um canivete que usava para limpar as unhas. Se tatuasse alguma coisa nas costas seria “Mantenha distância”. Ficava no seu canto, taciturno. Não pendurava bandeira do Flamengo na janela, não tinha plástico no carro confessando ser sócio de qualquer Deus ou que gostaria de estar mergulhando. Zero de identidade. No fim do ano dizia estar viajando quando o lixeiro chegava com o livro de ouro.Tinha artrite na mão direita e passou a cumprimentar com ela fechada, deixando em alguns a impressão de ser maçom. Talvez fosse, talvez não. Discretamente, depois do cumprimento, borrifava spray higienizador na mão. Parecia o “puro” do poema do Vinicius. Só pegava na maçaneta da porta de banheiro público com a mão envolvida numa toalha de papel. Sabia nome de bactérias oportunistas. Era o “Nowhere man” dos Beatles? Andou com uma barba bem comprida, mas um dia antes que começassem a chamá-lo de muçulmano, cortou. Era um túmulo. Nada a declarar. Não colocava flores no hall, nem pregava sino na porta quando se anunciava o Natal. Exibição nenhuma. No trabalho, a mesa destoava das outras, todas decoradas com fotos de filhos, cachorros e patroas. A dele, nua. Fazia o seu, desligava o computador e saía de mansinho por entre a fumaça do churrasco de gato que os colegas traçavam, felizes da vida, no botequim da esquina. Calava-se quieto nas suas interrogações, o que aumentava nos vizinhos a certeza de que escondia algo grave. Um dia alguém viu chegar pelo Correio um livro de Dalton Trevisan, que se supunha autografado pois vinha com o carimbo de Curitiba — mas isso também ficou sem confirmação. Teve namorada por pouco tempo. A moça vivia com dois gatos e os pelos soltos no ar lhe provocavam imediata crise de rinite. Era cheio de idiossincrasias. Numa lanchonete, só bebia
suco na temperatura ambiente e, ao contrário de todo mundo, que exige mais presunto e tomate, pedia o seu sanduíche com pouco recheio. Os garçons olhavam intrigados e registravam o mesmo que os outros. Cara esquisito. Poucos conheceram sua voz, e quem a ouvia pedia sempre que falasse mais alto. Sussurrava. Parecia não querer incomodar, e em troca sugeria que a Humanidade pagasse na mesma moeda — mas não teve sucesso. Era, definitivamente, um homem suspeito, desses que podem surgir na manchete do jornal de amanhã. Anda sumido.
Aguardemos
via
http://joaquimferreiradossantos.blogspot.com/
http://industrias-culturais.blogspot.com/
http://osocratico.blogspot.com/
http://www.blogtailors.com/
Era um sujeito de ombros arqueados, cabelo cortado com máquina zero em casa para não ter que jogar conversa fora com o barbeiro. Se alguém assobiasse no elevador, saltava imediatamente e fazia o resto do percurso de escada. Tipo estranho. Detestava papo furado, tapinha nas costas e a gritaria macha nos bares sobre até que ponto o Flamengo aguentaria jogar o Brasileirão sem um atacante-atacante. Um homem de semblante fechado. Na escola apelidaram-no “Caramujo”, e isso fez com que ficasse mais para dentro ainda. Cresceu e, como ganhou olheiras profundas, passaram a chamá-lo “Coruja”. Tentou ser engraçado pela primeira vez na vida e colocou a imagem de uma na cristaleira da sala, mas a empregada, a única que lhe passava o colarinho sem trincar as pontas, era de uma seita que tinha o bicho como entidade suprema. Trocou a coruja por um prato forrado de asas de borboleta onde aparecia numa foto com a mãe, recordação da viagem nos anos 60 ao Cristo Redentor. Quando diziam que as asas das borboletas eram de mau agouro, dava de ombros. Fazia ar de muxoxo, respirava fundo como se dissesse “nem aí”, expressão que evidentemente não usava, pois era de português castiço. Adorava a palavra “chichisbéu”, modo barroco de dizer “galanteador”, que encontrou no poema “Carta aos puros”, de Vinicius de Moraes. A palavra comum, o senso comum, tudo lhe dava engulho incomum. Não queria nada com o mundo, mas os habitantes deste perseguiam-no com a mesma impaciência. Caçoavam. Era um sujeito com cara de poucos amigos, sempre macambúzio e ensimesmado. Usava fumo de luto em 2010. Um matusalém cheio de manias. Não brincava na Banda de Ipanema, embora morasse no bairro. Só saía de casa depois de tomar um gole d’água, como se as ruas que enfrentaria em seguida fossem um deserto, cheias de beduínos que negariam novos copos. O homem era desconfiado. À noite, chegava a levantar três vezes para confirmar se a porta que ele mesmo havia trancado estava realmente trancada. Complicado. Se não acreditava em si mesmo, despejava sobre o mundo o mesmo e constante olhar de esguelha. De manhã, quando as pessoas são tomadas por uma súbita civilidade, ele trocava de calçada se um estranho se aproximava com ares de quem ia dar “bom dia”. Estranhíssimo. Entrava mudo e saía calado. Não dava festa com som alto, nunca bateu boca com quem quer que fosse altas horas da madrugada, e pelo correio recebia só a “Piauí”. Homem metódico. Dormia às dez, acordava às cinco, e às seis mergulhava na piscina do Flamengo para nadar mil metros, pois achava, devia achar, nunca confessou a ninguém, que corpo são é mente sã. Vivia no silêncio das suas águas, como se, não incomodando, não fosse ser incomodado — mas isso só realçava as tintas sobre sua índole diferente. De que planeta? As fraldas
das camisas iam sempre por dentro das calças e o sapato, um Doc Martens de sola grossa, havia sido comprado dez anos atrás numa viagem a Londres. Uma vez por ano ia a Brooks Brothers, em Nova York, e trazia dez calças azuis, todas iguais, e dez camisas brancas, também iguais. Estava pronto o guardaroupa. Ele queria ficar invisível. Um dia, sete da manhã, saiu de seus segredos. Atravessou a rua, tocou a porta do prédio vizinho e pediu que a senhora do 302, da janela de cara para a sua, fizesse parar o canto agudo, triste, do passarinho engaiolado. Que o levasse para o quarto dos fundos, pois o seu martelar canoro prejudicava a vida do outro lado da rua. Qualquer barulho o enfurecia, e como a vizinha se recusava a calar o passarinho, ele prestou queixa no serviço 1746. Um homem enigmático. Não deixava pistas no Facebook, no Orkut ou no Twitter, esses prontuários de vaidade. Sorria, sim, mas sem som. Jamais teve um frouxo de riso ou mostrou a intimidade daquele último dente. As emoções sob controle, nunca comentou com o porteiro os belos dias de sol de que tem sido farto este outono. Ninguém sabia também como ia o equilíbrio entre
decepções e satisfações da sua balança existencial. Um mistério no condomínio. Sempre de óculos escuros, carregava no chaveiro do cinto um canivete que usava para limpar as unhas. Se tatuasse alguma coisa nas costas seria “Mantenha distância”. Ficava no seu canto, taciturno. Não pendurava bandeira do Flamengo na janela, não tinha plástico no carro confessando ser sócio de qualquer Deus ou que gostaria de estar mergulhando. Zero de identidade. No fim do ano dizia estar viajando quando o lixeiro chegava com o livro de ouro.Tinha artrite na mão direita e passou a cumprimentar com ela fechada, deixando em alguns a impressão de ser maçom. Talvez fosse, talvez não. Discretamente, depois do cumprimento, borrifava spray higienizador na mão. Parecia o “puro” do poema do Vinicius. Só pegava na maçaneta da porta de banheiro público com a mão envolvida numa toalha de papel. Sabia nome de bactérias oportunistas. Era o “Nowhere man” dos Beatles? Andou com uma barba bem comprida, mas um dia antes que começassem a chamá-lo de muçulmano, cortou. Era um túmulo. Nada a declarar. Não colocava flores no hall, nem pregava sino na porta quando se anunciava o Natal. Exibição nenhuma. No trabalho, a mesa destoava das outras, todas decoradas com fotos de filhos, cachorros e patroas. A dele, nua. Fazia o seu, desligava o computador e saía de mansinho por entre a fumaça do churrasco de gato que os colegas traçavam, felizes da vida, no botequim da esquina. Calava-se quieto nas suas interrogações, o que aumentava nos vizinhos a certeza de que escondia algo grave. Um dia alguém viu chegar pelo Correio um livro de Dalton Trevisan, que se supunha autografado pois vinha com o carimbo de Curitiba — mas isso também ficou sem confirmação. Teve namorada por pouco tempo. A moça vivia com dois gatos e os pelos soltos no ar lhe provocavam imediata crise de rinite. Era cheio de idiossincrasias. Numa lanchonete, só bebia
suco na temperatura ambiente e, ao contrário de todo mundo, que exige mais presunto e tomate, pedia o seu sanduíche com pouco recheio. Os garçons olhavam intrigados e registravam o mesmo que os outros. Cara esquisito. Poucos conheceram sua voz, e quem a ouvia pedia sempre que falasse mais alto. Sussurrava. Parecia não querer incomodar, e em troca sugeria que a Humanidade pagasse na mesma moeda — mas não teve sucesso. Era, definitivamente, um homem suspeito, desses que podem surgir na manchete do jornal de amanhã. Anda sumido.
Aguardemos
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http://industrias-culturais.blogspot.com/
http://osocratico.blogspot.com/
http://www.blogtailors.com/
Livraria Bertrand do Chiado
"Desde que abriu em 1732, a Livraria Bertrand do Chiado nunca deixou de funcionar. É por isso que entrou para o Guiness como a livraria mais antiga do mundo ainda em actividade."
in Público
via
http://sobreorisco.blogspot.com/
in Público
via
http://sobreorisco.blogspot.com/
quarta-feira, 20 de abril de 2011
terça-feira, 19 de abril de 2011
segunda-feira, 18 de abril de 2011
Bach - Adagio / Paintings Andrew Atroshenko
Pinturas - Andrew Atroshenko http://youtu.be/S8-bir5zQ4E
quinta-feira, 14 de abril de 2011
quarta-feira, 13 de abril de 2011
"A origem do mundo, de Gustav Courbet"
http://farm1.static.flickr.com/119/262233494_d0f8890b0f.jpg http://www.ionline.pt/conteudo/117111-quadro-maldito-encerra-conta-no-facebook
terça-feira, 12 de abril de 2011
segunda-feira, 11 de abril de 2011
Gustave Flaubert
"Donc ils vivaient dans cet ennui de la campagne, si lourd quand le ciel blanc caresse de sa monotonie un coeur sans espoir. On écoute le pas d'un homme en sabots qui longe le mur, ou les gouttes de la pluie tomber du toit par terre. De temps à autre, une feuille morte vient frôler la vitre, puis tournoie, s'en va. Des glas indisctincts sont apportés par le vent. Au fond de l'étable, une vache mugit." Bouvard et Pécuchet - Gustave Flaubert (1881) http://disjecta.canalblog.com/tag/ironie
domingo, 10 de abril de 2011
quarta-feira, 6 de abril de 2011
terça-feira, 5 de abril de 2011
L. Lhermitte
French Realist Painter, 1844-1925 was a French painter and etcher of the late nineteenth century. A student of Lecocq de Boisbourdran, he was a realist artist whose primary subject matter was of rural scenes depicting the peasant worker. He gained recognition after his show in the Paris Salon in 1864. His many awards include the French Legion of Honour (1884) and the Grand Prize at the Exposition Universelle in 1889. Lhermitte's innovative use of the then contemporary media of pastels won him the admiration of his contemporaries. Vincent Van Gogh wrote that If every month Le Monde Illustr published one of his compositions... it would be a great pleasure for me to be able to follow it. It is certain that for years I have not seen anything as beautiful as this scene by Lhermitte
Gustav Courbet
Paris - Musée d'Orsay
domingo, 3 de abril de 2011
Membracis foliata
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRPA083JTDzz4W6YKtd6UVEOF5JmNtNI0Kzzdh6y6tAIhax_BnOr_jS9q9PPcyhOhTCDB4BcZ8dpSoiKBJooTsbf6L8Vwe2ie7ReTFIN68pcG9F767XaaMkNE698ERG9wg9iRzkDACMFQ/s1600-h/tIMG_0843.JPG Seu nome científico é Membracis foliata, e apesar de ser bonitinho, é considerado uma praga, pois suas larvas atacam a graviola e outras frutas, como a atemóia e a fruta-do-conde. O seu corpo lembra um capacete, por isso o seu apelido de "Soldadinho". No entanto, a cabeça do indivíduo fica na parte traseira do "capacete"..
sábado, 2 de abril de 2011
sexta-feira, 1 de abril de 2011
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